sábado, 16 de julho de 2011

DE UM PASSADO NEM TÃO DISTANTE


Éramos três...
Numa decrescência dupla de anos para cada um.
Éramos quatro...
Sem casa própria, vivíamos um pouco aqui e depois ali...
Ora curtindo um favorzinho de alguém, ora pagando a duras penas um aluguelzinho de um cômodo e meio, para nós quatro...
Imagine que às vezes éramos cinco...
pois o limite da miséria nunca é absoluto e tínhamos alguém mais necessitado ainda, que ganhava não sei o quê, para cuidar de nós.
Um dia, motivado pelos filmes de televisão em preto e branco, cujas cenas furtadas de fora das janelas dos vizinhos mais abastados, servia muito bem como curso audiovisual, resolvi ensinar aquela criatura que cuidava de nós na ausência de nossa mãe, alguns golpes de karatê. Jamais podia imaginar, pois a minha mente de menino não concebia,  que aquela pessoa era uma senhora com pelo menos sessenta anos e lhe incentivei a aprender a arte oriental “quebra ossos” e, incrível... ela aceitou!
Nossa mãe, pai e mãe como um deus, além de trazer o sustento nosso de cada dia, ainda reservava tempo para nos levar ao rio para nadar um pouco, antes de engolir a porção vital, que hoje chamamos de almoço...
Nossos estudos continuavam na escola pública (que aliás era boa) e o lazer simples dos meninos nunca nos faltou.
Um pouquinho de jogo de gude, pião, uma remadinhas no escalé de Artumirinho que ficava apenas preso a uma corda no porto, ao dispor de quem o necessitasse.
Os amigos vizinhos, esses brincavam conosco no quintal ou na sala de nossa casa, em brincadeiras com bola ou luta e até dentro de pneus velhos, já que a sala não tinha outra serventia, pois não abrigava nenhum móvel. Aliás, aquilo que era casa. Podíamos correr do fundo do quintal até a frente da casa sem esbarrar em nenhum obstáculo, a não ser pela velha mesa e alguns tamboretes.
Deus dotou a criança da habilidade de ser feliz independente da condição econômica de sua familia, aqueles que conseguem “vingar” sem traumas, continuam felizes.
Nossa mãe nos contava histórias da bíblia e meu avô se ocupava em nos abastecer de estórias e contos que só Deus sabe de onde ele conseguia tanta imaginação...
Com ele na direção viajávamos num mundo fantástico e podíamos enfrentar qualquer coisa... mesmo que fossem monstros... Não importava...
Assim crescemos, saudáveis, com a mente limpa, sem preconceito ou qualquer sentimento de inferioridade.
Mesmo pulando de galho em galho como macacos felizes, fomos crescendo e conseguimos comprar nossa primeira casa própria. Foi uma tremenda vitória!
Os tempos passaram, investimos no futuro, e nós que éramos três, já passamos dos tantos e quantos e aumentando...
O incrível que hoje, depois de quase meio século, nossa incrível karateca, continua mais viva do que nunca, enquanto nos aguarda sem pressa que alcancemos aquela sua idade de quando nos conheceu.
Minha mãe, exímia ciclista, caso eu concordasse com a filosofia contemporânea da classificação dos idosos, diria que ela está na melhor idade, mas ela quem sabe onde o sapato aperta e onde os ossos doem mais...
Embora o tempo escoe, as lembranças são muito vívidas. Arraigadas ao presente, enriquecem as perspectivas do futuro.
E por ai vamos nós, crescendo e conquistando... Aprendendo e ensinando... Aproveitando as oportunidades indistintamente, pois sejam elas boas ou más, sempre produzirá experiências proveitosas.
O que vale na vida é viver... viver bem.
Somos tantos...

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